A capital do Rio de Janeiro costuma ser retratada como uma cidade de praias e cartões-postais, de marcos turísticos consagrados e centros que irradiam visibilidade. Mas há um Rio profundo, pujante, múltiplo, que pulsa para além dos limites simbólicos da zona sul. Um Rio feito de trens, de ruas largas, de feiras, de samba de raiz, de blocos de carnaval que desfilam fora do circuito consagrado — um Rio de gente. Esse Rio invisibilizado é o protagonista da Semana Suburbana na Uerj, que acontece entre os dias 2 e 7 de junho de 2025, no campus Maracanã da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
O evento antecede o I Seminário Rio de Janeiro Suburbano: Olhares sobre a Cidade, e oferece uma rica programação de debates, filmes, simpósios, roteiros turísticos e vivências pensadas a partir da vida nos subúrbios — territórios historicamente marginalizados, mas centrais para a cultura, a memória e a resistência urbana carioca.
Trata-se de uma iniciativa conjunta do Observatório do Turismo nos Subúrbios Cariocas, do Núcleo de Pesquisa Urbana (CIDADES), do Coletivo Diálogos Suburbanos, do Núcleo Arte, Cultura e Poder e da Conexão Turismo, com o apoio da FAPERJ. A proposta é clara: trazer à tona as potências, desafios, modos de vida e formas de ocupação dos subúrbios, criando uma rede de escuta e construção coletiva sobre o Rio que existe para além das fronteiras simbólicas do asfalto nobre.
Durante décadas, a imagem dos subúrbios cariocas foi distorcida, estigmatizada ou, pior, esquecida nos planejamentos urbanos e nas políticas públicas. A centralidade simbólica do Rio de Janeiro ficou restrita aos bairros próximos ao mar, aos palácios do Centro, às vitrines do Leblon. No entanto, é nos subúrbios que habita grande parte da força de trabalho, da criatividade popular, da tradição musical e das dinâmicas que realmente movem a cidade.
A Semana Suburbana não apenas devolve os holofotes a esses territórios como também os transforma em espaços de produção ativa de saber, política e cultura. Ela questiona: de que cidade estamos falando quando falamos de Rio de Janeiro? Quem está no centro do debate e quem foi empurrado para a margem?
É hora de reverter essa lógica.
Nos próximos trechos, compartilho a programação completa do evento e, ao fim, trago uma reflexão sobre o que significa — hoje — pensar o subúrbio como eixo vital da cidade.
Programação da Semana Suburbana na Uerj
De 2 a 7 de junho de 2025, a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ – campus Maracanã) será palco de uma intensa e rica programação que coloca os subúrbios no centro do debate acadêmico, cultural e político da cidade. A Semana Suburbana na Uerj se desdobra em múltiplas frentes: cinema, debates, simpósios, mesas redondas e até roteiro turístico guiado. Confira:
02/06 – Segunda-feira
Cine-Subúrbio
Exibição dos filmes:
Mais um dia, zona norte – de Allan Ribeiro
Comida di Pé Sujo – de Luiz Claudio Motta Lima
Debate com os diretores e parte do elenco
18h às 21h
Auditório 93 – Bloco F
Mais informações:
Inscrição:
03/06 – Terça-feira
Debate: Alegorias Suburbanas
Com Frank Andrew Davies (PPGEO-UERJ) e Roberta Sampaio Guimarães (PPGSA-UFRJ)
Atividade aberta da disciplina “Espaços e Imaginários”
16h30 às 19h30
Auditório do PPGEO – Sala 4006, Bloco F
Mais informações:
Inscrição:
04/06 – Quarta-feira
I Simpósio de Estudos Suburbanos
13h às 18h
Diversos espaços – Bloco F (Uerj)
Programação:
13h – Mesa de abertura
Tema: Os subúrbios enquanto campo de estudos
Auditório Regina Weissman (2034-F)
Com Roberta Mathias, Frank Davies, Gabriel Cid, Leopoldo Guilherme Pio e João Felipe P. Brito
14h às 15h45 – Grupos de Trabalho simultâneos:
Paisagens suburbanas – coord. Frank Davies e Julia Andrade
Direito à memória e espaço – coord. Leopoldo Pio e Simone Vassallo
Memória e lugar – coord. Gabriel Cid e Maria Celeste Ferreira
Estéticas e artes suburbanas I – coord. Roberta Mathias e Barbara Copque
Materialidades e infraestruturas suburbanas – coord. João Felipe P. Brito e Caroline Bottino
16h às 17h45 – Grupos de Trabalho simultâneos:
Sociabilidade, território e violência – coord. Gabriel Cid e Marcelo Cardoso
Estéticas e artes suburbanas II – coord. Roberta Mathias e Talitha Ferraz
Práticas de turismo e lazer nos subúrbios – coord. Frank Davies e Caroline Bottino
Representações, História e Política – coord. Leopoldo Pio e Luz Stella Cáceres
Sociabilidades festivas e associativismos – coord. João Felipe P. Brito e Sandra de Sá Carneiro
As apresentações contemplam temas como:
Imaginários e ruínas urbanas no subúrbio
Patrimônio cultural em Olaria, Realengo e Penha
Projetos arquitetônicos neocoloniais e transformações urbanas
Bate-bolas, escolas de samba e blocos carnavalescos
Turismo cultural em Ramos, Nilópolis, Leopoldina
Ação de grupos armados, jogo do bicho, memória pública
Samba como paisagem, religiosidade suburbana e resistência
Experiências de lazer e políticas de memória
Mais informações:
Inscrição:
05/06 e 06/06 – Quinta e Sexta-feira
I Seminário Rio de Janeiro Suburbano: Olhares sobre a Cidade
Auditório 93 – 9º andar – Bloco F
14h às 20h
05/06 – Quinta-feira
14h às 15h45 – Conferência de Abertura
Tema: Entre o local e o transnacional: a construção do subúrbio carioca e a política habitacional na Guerra Fria
Leandro Benmergui (Purchase College – SUNY/Universidade Estadual de Nova York)
Comentários de Maria Paula Albernaz (PROURB-FAU-UFRJ)
16h às 17h45 – Mesa: Subúrbios, História e Sociabilidades
Vitor Almeida (FFP-UERJ), Caroline Bottino (DTUR-UERJ), Leandro Climaco (PROPGPEC – Colégio Pedro II), Lucas Bártolo (PPGAS/MN/UFRJ)
Mediação: Amanda Danelli Costa (DTUR-UERJ)
18h às 19h45 – Mesa: Subúrbios, Ações e Movimentos Sociais
Marcio Piñon de Oliveira (POSGEO-UFF), Adriana Facina (PPGAS/MN-UFRJ), Massari Simões e Flávio Lima (CASARTI), Rafael Mattoso (Diálogos Suburbanos)
Mediação: Sandra de Sá Carneiro (PPCIS e CIDADES-UERJ)
06/06 – Sexta-feira
14h às 15h45 – Mesa: Subúrbios, Arquitetura e Urbanismo
Antonio Pedral (Diálogos Suburbanos e IAB/RJ), Noemia Barradas (IAB/RJ), Marina Alves e Gabriele Pinto (Projeto Indústrias Suburbanas – PROURB/FAU-UFRJ), Rodrigo Bertamé (Bio-Manguinhos/Fiocruz e CAU/RJ)
Mediação: Teresa Guilhon (Instituto 215 / Diálogos Suburbanos)
16h às 17h45 – Mesa: Subúrbios, Patrimônios e Turismo
Maria Celeste Ferreira (Diálogos Suburbanos), Gabriel Cid (UERJ/UFRRJ), Leopoldo Guilherme Pio (UNIRIO), Karolynne Duarte (Guiadas Urbanas), Andressa Lobo (Descubra Santa RJ)
Mediação: Frank Davies (Observatório do Turismo nos Subúrbios Cariocas / CIDADES-UERJ)
18h às 20h – Atividade de Encerramento
Homenagem a Joaquim Justino dos Santos
Apresentação musical com Ivan Karu e Flávia Souza (Afrolaje)
Joaquim Justino Moura dos Santos é um historiador brasileiro, reconhecido por suas contribuições ao estudo da história social e urbana do Rio de Janeiro, com ênfase nos subúrbios cariocas. Graduado em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) em 1980, obteve o mestrado na mesma instituição em 1987, com a dissertação “Contribuição ao estudo da história do subúrbio do Rio de Janeiro: a freguesia de Inhaúma – 1743 a 1920”. Posteriormente, concluiu o doutorado em História Social pela Universidade de São Paulo (USP) em 1997, com a tese “De freguesias rurais a subúrbio: Inhaúma e Irajá no município do Rio de Janeiro”.
Atualmente, é professor na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), onde atua na área de História do Brasil, com foco em temas como história econômica e social do Rio de Janeiro, história do subúrbio carioca e memória urbana. Seu trabalho é amplamente reconhecido por abordar a formação e transformação dos subúrbios cariocas, destacando aspectos sociais, econômicos e culturais dessas regiões.
Programação com horários:
Ementas e resumos:
Inscrição:
07/06 – Sábado
Roteiro Turístico de Encerramento com Gabriel Capella
Visita guiada a locais simbólicos do subúrbio carioca:
Igreja da Penha
Cacique de Ramos
Reduto do Pixinguinha
Parada para almoço no tradicional Bar da Portuguesa
Saída às 9h | Retorno às 16h
Embarque e desembarque na UERJ – Maracanã
Inscrição presencial a partir do dia 05/06, durante o Seminário
Mais informações:
Todas as atividades são gratuitas e abertas ao público.
e a programação oficial em PDF:
Instagram oficial do evento:
O Subúrbio Merece a Cidade Inteira: Reflexões Finais e Um Convite ao Futuro
Mais do que um conjunto de ruas fora do centro ou da zona sul, o subúrbio carioca é um modo de ser, de viver e de resistir. É onde os trens am carregando sonhos comprimidos, onde a festa acontece no quintal, o samba brota no botequim, e as crianças aprendem desde cedo a equilibrar esperança e dureza nas calçadas esburacadas.
O que a Semana Suburbana na Uerj propõe — e realizará com brilho — é romper com a lógica perversa que insiste em empurrar esses territórios para a periferia do debate urbano. Ao fazer isso dentro da principal universidade pública do estado, e com o e da FAPERJ, do Observatório do Turismo nos Subúrbios Cariocas e de diversos núcleos acadêmicos e coletivos de base, a iniciativa deixa claro: não se trata de caridade cultural, mas de reparação simbólica, política e histórica.
A pluralidade das atividades, dos convidados, dos temas e das abordagens prova que os subúrbios são infinitamente mais complexos, sofisticados e ricos do que os estereótipos repetidos nas novelas e nas campanhas eleitorais. E mais: são espaços de produção de conhecimento legítimo — saberes que vêm da rua, do trem, do terreiro, da laje e da sala de aula.
Um convite ao engajamento
Se você é estudante, pesquisador, artista, professor, morador ou simplesmente alguém que ama o Rio de Janeiro, este evento é para você. A cidade só será de fato democrática quando todos os seus territórios forem reconhecidos como parte do todo.
Não há cidade maravilhosa sem os bairros suburbanos que moldam a história, a cultura e a força popular do Rio de Janeiro.
Bairros onde o trem ainda apita, onde o samba nasce no quintal, onde as feiras e os mercados ainda ditam o ritmo da vida.
São territórios da Zona Norte e da Zona Oeste, especialmente ao longo das linhas de trem e das grandes avenidas — onde estão bairros como Irajá, Madureira, Cascadura, Realengo, Olaria, Ramos, Inhaúma, Piedade, Engenho da Rainha, Vila Militar, Campo Grande, Bangu, Padre Miguel, Anchieta, Cordovil, Guadalupe, Marechal Hermes, Bonsucesso, Oswaldo Cruz, Penha, Rocha Miranda, Vila da Penha, Coelho Neto, entre tantos outros que raramente aparecem nos cartões-postais, mas são o verdadeiro coração da cidade.
E não podemos esquecer os bares de bairro, com suas mesas de azulejo, copos americanos, samba de calçada e afeto cotidiano. São nesses espaços de encontro, conversa e memória que o subúrbio também se afirma — como lugar de pertencimento, de política informal, de alegria e resistência.
São esses bairros e esses espaços que carregam no peito o verdadeiro DNA carioca.
Por fim, um desejo
Que a Semana Suburbana vire tradição. Que cada vez mais eventos públicos se voltem a escutar, compreender e valorizar os subúrbios — não como exceções exóticas, mas como fundamentos essenciais da cidade.
E que um dia possamos dizer, sem precisar explicar ou justificar:
“O subúrbio é o centro.”
Nos vemos na Uerj.