Entre discursos e descasos: o Rio de Janeiro e a farsa da cultura oficial

Rio é Capital Mundial do Livro, mas segue sem Plano de Cultura desde 2020

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Fachada do Teatro João Caetano, no Centro do Rio - Foto: Divulgação

Nesta semana, na Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados, o deputado federal Tarcísio Motta (PSOL) verbalizou o que muitos no setor cultural já cansaram de gritar — e de não serem ouvidos. A cidade do Rio de Janeiro, Capital Mundial do Livro em 2025, segue sendo a única capital brasileira sem um Plano Municipal de Cultura aprovado. Sim, o Rio, cidade de Pixinguinha, do Theatro Municipal, do samba, dos museus, do inho, da favela e de tantas outras expressões culturais. A cidade que exporta cultura como se fosse ar. Mas que, quando se trata de cuidar dela com seriedade, só entrega fumaça.

O Plano Municipal de Cultura está engavetado desde 2020. Mais de quatro anos. Um mandato inteiro de inércia. E ninguém, absolutamente ninguém na gestão municipal, parece se importar. Talvez estejam muito ocupados cortando fitas de eventos culturais para as redes sociais — aliás, a nova especialidade da Secretaria Municipal de Cultura parece ser a gestão de Instagram.

O prefeito Eduardo Paes, sempre tão articulado para aparecer como o bom gestor do Rio pop e cool, simplesmente ignora a pauta. É estranho. Logo ele, que adora um evento cultural, que não perde uma chance de posar em frente ao Museu do Amanhã ou cantar em um samba. Mas, quando o assunto é estruturar de fato as políticas públicas de cultura — com orçamento, metas, indicadores e participação social — o prefeito desaparece como um edital de fomento em dezembro.

E aí chegamos ao personagem mais performático que se tornou a política cultural carioca: o secretário Lucas Padilha. Um homem tão afeito às palavras que talvez acredite que cultura se faz só com discurso. Ao ouvir suas entrevistas e falas públicas, temos a impressão de que estamos diante de um grande curador do vazio, um poeta da gestão simbólica. É o tipo de secretário que daria uma coletiva para anunciar a instalação de uma escultura invisível no meio da Praça Mauá — e ainda acharia o máximo da arte.

Mas, quando se pergunta sobre o Plano Municipal de Cultura, o que temos? Silêncio. Como se mais de quatro anos não tivessem sido tempo suficiente. Como se a cidade não tivesse produzido um plano já amplamente debatido com a sociedade civil desde o governo Crivella — e sim, até ele chegou a andar mais com isso do que Paes e Padilha.

A grande ironia é que o Rio foi escolhido Capital Mundial do Livro pela UNESCO. E isso não deixa de ser uma piada pronta. Uma cidade que não tem um plano estratégico de cultura, que trata bibliotecas públicas como depósito de mofo e que desdenha de sua cadeia produtiva do livro — essa cidade é premiada por algo que não pratica. É quase como premiar um açougue pela defesa dos direitos dos animais.

É claro que isso rende fotos bonitas, comemorações, eventos internacionais e vitrines para políticos. Mas a política cultural de verdade — aquela feita no cotidiano, que garante o, estrutura, financiamento e continuidade — essa continua no papel. Ou melhor, na gaveta.

Enquanto isso, artistas seguem precarizados, equipamentos culturais seguem fechados ou subutilizados, coletivos culturais seguem mendigando editais, e a Secretaria de Cultura segue como uma espécie de colônia de férias para burocratas que adoram uma pauta progressista — desde que ela não dê trabalho.

O discurso de Tarcísio Motta foi necessário, mas deveria ser o mínimo. O absurdo já é tão institucionalizado que virou parte do cenário. Resta saber se Paes e Padilha continuarão apostando no marketing cultural — ou se, por milagre ou vergonha, algum dia entenderão que cultura não é só selfie e vernissage.

Porque, se o Rio é Capital Mundial do Livro, está claro: é um livro em branco. Sem plano, sem política e, o pior de tudo, sem governo que respeite sua história.

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