1. O que diz a Constituição Federal sobre pessoas com deficiência
A Constituição Federal de 1988 afirma, em seu art. 1º, III, que a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República. Ao longo do texto constitucional, essa diretriz se traduz em normas protetivas específicas para grupos historicamente vulnerabilizados, como as pessoas com deficiência.
No art. 227, §2º, a Carta Magna reconhece o dever da família, da sociedade e do Estado em assegurar, com absoluta prioridade, os direitos de crianças e adolescentes com deficiência, especialmente o o à educação, à saúde e à convivência familiar.
Ademais, com o advento da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, incorporada com status constitucional pelo Decreto nº 6.949/2009, e a edição da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015), o ordenamento ou a reconhecer o direito à inclusão ampla, à ibilidade, à igualdade de oportunidades e ao apoio institucional para famílias de pessoas com deficiência.
2. O que muda para os pais: do serviço público ao celetista
Durante anos, o direito à redução de jornada sem prejuízo salarial foi reconhecido apenas a servidores públicos com filhos com deficiência, mediante comprovação da necessidade do acompanhamento constante.
Entretanto, trabalhadores regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) muitas vezes não conseguiam esse direito, mesmo diante de situações idênticas. Isso gerava tratamento desigual e afrontava princípios como a isonomia e o melhor interesse da criança ou adolescente com deficiência.
Foi nesse contexto que surgiram ações judiciais fundamentadas nos direitos constitucionais e na convenção internacional, provocando o Judiciário a se posicionar.
3. As decisões que fizeram história: STF e TST em defesa das famílias
Em 2022, o Supremo Tribunal Federal julgou o Tema 1097 da repercussão geral, fixando a tese de que: “aos servidores públicos estaduais e municipais é aplicado, para todos os efeitos, o art. 98, § 2° e § 3°, da lei 8.112/90”.
Essa decisão foi o estopim para que o Tribunal Superior do Trabalho (TST) começasse a aplicar a mesma lógica aos trabalhadores regidos pela CLT.
Um dos marcos foi o julgamento do RR-1000330-74.2020.5.02.0041, em que se reconheceu o direito de uma trabalhadora celetista à jornada reduzida para cuidar do filho com deficiência. A Corte fundamentou sua decisão no princípio da dignidade da pessoa humana e na proteção integral da criança com deficiência.
Outros casos semelhantes reforçaram essa tendência. Em um caso envolvendo funcionária da Caixa Econômica Federal, a Justiça do Trabalho garantiu a redução da jornada sem prejuízo de salário, considerando a necessidade de atendimento especializado do filho com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Da mesma forma, uma funcionária dos Correios teve reconhecido o direito de acompanhar seu filho autista, com base na mesma fundamentação constitucional.
Esses precedentes judiciais contribuem para uma mudança de paradigma, pois reconhecem que o cuidado com a pessoa com deficiência é uma responsabilidade que exige flexibilidade institucional e respeito aos princípios da equidade e da proteção integral. O Judiciário tem assumido um papel protagonista na concretização de direitos que estavam, por vezes, limitados à letra fria da lei.
4. O que os empregadores devem saber
Essas decisões têm impacto direto sobre a atuação dos empregadores, que devem observar:
• A existência de obrigações constitucionais e convencionais que impõem o dever de apoio às famílias com pessoas com deficiência.
• A possibilidade de redução de jornada sem prejuízo salarial mediante comprovação médica da necessidade de acompanhamento.
• A necessidade de diálogo com os empregados, avaliação individualizada e busca de soluções razoáveis.
• A vedação a tratamentos discriminatórios ou retaliatórios por parte do empregador.
O descumprimento dessas obrigações pode gerar a responsabilidade civil do empregador, por danos morais e materiais, além de risco institucional e repercussão negativa.
Importa destacar que a criação de uma cultura organizacional inclusiva também se reflete na imagem da empresa, na satisfação dos colaboradores e na conformidade com as boas práticas internacionais de ESG (Environmental, Social and Governance).
5. Direitos, deveres e o papel da sociedade
Garantir a inclusão de pessoas com deficiência é tarefa compartilhada. Cabe ao Estado, à família e à sociedade criar condições reais de igualdade. Os empregadores têm um papel decisivo nesse cenário.
Por outro lado, também é importante que os trabalhadores atuem com transparência, responsabilidade e boa-fé, apresentando a documentação necessária e comprovando a real necessidade do ajuste na jornada.
A sociedade também precisa compreender que os direitos das pessoas com deficiência e de suas famílias não são “privilégios” ou “regalias”, mas sim medidas de justiça compensatória que visam corrigir desigualdades históricas e garantir condições reais de desenvolvimento pessoal e social.
6. Conclusão: da letra da lei à prática da inclusão
As recentes decisões da Justiça do Trabalho e do STF representam avanço concreto na efetivação dos direitos das pessoas com deficiência e suas famílias. Ao reconhecer a possibilidade de redução de jornada também aos celetistas, os tribunais colocam em prática os princípios constitucionais da dignidade humana, proteção da infância e inclusão.
Para o empregador, esse novo paradigma exige postura proativa, atenta à legislação e sensível às realidades familiares. Para o trabalhador, representa uma conquista de cidadania que deve ser exercida com responsabilidade.
Trata-se, no fim das contas, de entender que os direitos das pessoas com deficiência são uma expressão do compromisso de uma sociedade com a sua própria humanidade.
A inclusão não é apenas uma meta legal: é um imperativo ético e civilizatório que nos chama a repensar relações de trabalho, modelos de produtividade e a própria noção de normalidade. Famílias que cuidam de pessoas com deficiência não devem ser vistas como exceção, mas como parte integrante do tecido social, que merece amparo, respeito e solidariedade.