Jorge Jaber – Tabaco: exemplo, tratamento e política pública

O Brasil tem obtido bons resultados na luta contra o fumo, com campanhas preventivas e uma legislação rigorosa, mas o tabaco ainda assusta, tanto pelas mortes evitáveis

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Imagem meramente ilustrativa

Em publicação recente nas redes sociais, o ator Selton Mello falou sobre os três anos de uma decisão que certamente lhe proporcionará mais tempo e qualidade de vida: abandonar o cigarro. Lúcido e coerente, o texto mostra tanto os benefícios quanto as dificuldades do processo, numa manifestação que pode servir de exemplo aos quase 15 milhões de brasileiros que ainda insistem nesse hábito letal, independente das campanhas de prevenção que o Brasil promove há décadas.

Diante das estatísticas sobre o consumo de tabaco no país e da consciência cada vez maior de seus impactos físicos, emocionais e até financeiros, vale a pena destacar alguns trechos do depoimento de Mello. Com toda razão, ele comemora o período de abstinência – “uma vitória pessoal bem grande” – e os benefícios para o corpo – “fôlego renovado, taxas melhores, saúde melhor” – e a mente – “espiritualmente aquilo não me pertencia mais” – depois de 25 anos fumando, muitas vezes apenas para ar o tempo.

Ele também não esconde os obstáculos da jornada. “O início foi muito difícil, desesperador, muita ansiedade, fissura, mas não impossível”, relata, lembrando também dos possíveis efeitos colaterais de abandonar o antigo – e, segundo o ator, “fedido” companheiro. “ei a comer bem mais, engordei bastante, mas sabia que depois eu equalizava isso, tudo valia a pena”, conta. O péssimo cheiro do cigarro, aliás, teria sido um dos principais incentivos para deixá-lo: “Se você é fumante, você cheira mal. Simples e duro assim”, dispara.

O ator aborda outro ponto vital: a permanente perspectiva de uma recaída. Chegou a evitar álcool e café, temeroso da natural associação entre essas substâncias e o fumo, um dos “gatilhos” para a volta ao uso. Além disso, deixa claro que manter-se longe do cigarro é um exercício diário. “Não me espantaria se voltasse a fumar amanhã. Não digo que sou ex-fumante. Estou sem fumar há três anos, e me sinto bem melhor. Acredite: é possível”, completa. Palavras inspiradoras, que fortalecem iniciativas como o Dia Mundial sem Tabaco, celebrado desde 1987 em 31de maio.

A questão, porém, é complexa, e merece uma análise mais profunda. Parar de fumar, beber ou consumir qualquer tipo de substância química, ilícita ou não, nem sempre depende apenas de força de vontade. A falta da nicotina no organismo, principalmente nos primeiros dias, pode provocar dores de cabeça, irritabilidade, alterações no sono e apetite, tristeza e até depressão. Esses e outros sintomas desconfortáveis muitas vezes levam o indivíduo a desistir da ideia, mas com apoio psicológico e uso correto de medicamentos, é possível superar com mais leveza esse momento delicado.

É preciso, portanto, estimular a busca por tratamento, e o primeiro o é encarar a dependência em sua real dimensão: uma doença como qualquer outra, com causas orgânicas, emocionais e ambientais e que não escolhe sexo, idade ou condição social. Ser portador de dependência não é motivo de vergonha, e procurar ajuda para superá-la não deve ser visto como sinal de fraqueza, e sim de inteligência, uma tentativa louvável de readquirir o controle sobre os próprios atos. Ajuda, por sinal disponível gratuitamente no nosso indispensável Sistema Único de Saúde.

O Brasil tem obtido bons resultados na luta contra o fumo, com campanhas preventivas e uma legislação rigorosa, mas o tabaco ainda assusta, tanto pelas mortes evitáveis – cerca de oito milhões por ano no mundo –, quanto pelo impacto econômico – em 2022, quase R$ 154 bilhões no Brasil. Uma epidemia, segundo a própria Organização Mundial da Saúde, que podemos conter, informando ainda mais intensamente a população sobre os riscos do tabaco – inclusive dos vapes – e dos caminhos para o tratamento.

*Jorge Jaber é psiquiatra pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), membro da Academia Nacional de Medicina

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